A Transfiguração
A Transfiguração, considerada a última e uma das mais importantes obras de Rafael Sanzio (1483 - 1520) e que constitui sua interpretação do que é relatado no Novo Testamento, representa para mim a descrição mais singular e talvez mais real deste momento tão significativo da história cristã.
Independente de sua natureza estar contida num tempo e contexto específicos, acredito que o poder de Rafael foi capaz de transcender até mesmo a relação exclusiva com um único ser.
Em sua miríade de elementos, a obra nos apresenta, não um acontecimento isolado no tempo e no espaço mas sim um objetivo sagrado e inerente a todos os seres (em todas as esferas que se encontrem) como é mostrado na pintura.
Ela nos apresenta uma imensidão de possibilidades primitivas e terrenas bem como a ascensão gradual de uma espírito que se eleva acima da dúvida, medo, ira, súplica, ganância, ingenuidade, esperança e mesmo exortação, existentes nos níveis inferiores. Mesmo aquilo que não se encontra refletido de forma explícita nas expressões e gestos dos presentes, permeia de forma subjetiva mas extremamente verdadeira, o ambiente da cena.
Jesus representa, ao mesmo tempo o divino e o terreno, a angústia e a iluminação, o momento exato em que o portão da verdade é atravessado, permitindo que ele sentisse todas as coisas, num sentido vertical e horizontal ao mesmo tempo, uma das simbologias da própria cruz. Essa visão também é capaz de aproximar, de uma forma quase milagrosa, as trevas da luz diminuindo a distância existente entre o pecado e a redenção.
Esse é, para mim, o rito de passagem derradeiro, o Nirvana, o ultrapassar do medo, da dúvida e do apego estando eles, ainda presentes na alma, uma derradeira luta que não representa um final absoluto mas sim uma transcendência para uma dimensão mais elevada, um salto quântico, como poderíamos dizer, ou mesmo um renascimento.
Esse deve ser o objetivo mais altivo ao qual o espírito humano deve ansiar, aquele com que mais afinco precisa buscar desde o momento em que requeira para si o título de humano, não aquele vulgar e fútil que vê nas coisas mais insignificantes um fim, mas aquele que busca a essência magnífica contida no âmago do seu ser e que vê a vida como um meio magnífico e infinito, quase como uma ponte, cuja travessia simboliza um eterno e espetacular vir a ser, cada vez mais elevado.